segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Paraíso Imaginado

Campeonato Nacional de Escrita Criativa
Desafio #8

Como seria o sítio ideal para viver?
(máximo: 400 palavras)

Chamam-lhe demência. Alzheimer. Eu chamo-lhe paraíso. Libertação.

Depois de 65 anos de privações, trabalho árduo e perdas, encontrei dentro de mim o refúgio almejado. Viajo no tempo e no espaço. Acompanho-me de pessoas que conheci e de fascinantes personagens que nunca antes atravessaram a minha vida. A realidade? Construo-a ao sabor das emoções.

Há mais de dois anos que o tempo que passo no mundo real tem vindo a diminuir. Cada vez tenho mais dificuldade em distinguir a realidade dentro de mim daquela que me impuseram ao internarem-me nesta casa de repouso. Cada vez é mais complicado reconhecer as caras das pessoas outrora familiares, porque no meu espírito bailam outros rostos, que viajam comigo pelos lugares de sonho que percorro levemente, como se pudesse voar.

Quando ocasionalmente salto para fora de mim e me encontro com os meus, reconheço desespero e angústia. Sofro com eles porque não quero ser a fonte da sua dor. Mas a verdade é que não há motivo para pesar. Sou muito mais feliz assim. O oblívio é libertador. O devaneio é celestial. Não compreendem. Vêem apenas um velho inerte sentado numa poltrona.

Aqui à beira mar, vejo as gaivotas que esvoaçam livres e têm comigo animadas conversas estridentes. Sinto a frescura da espuma branca que beija os meus pés descalços, com um marulhar que convida a ficar. Estendo a mão para o lado, que encaixa na mão bem quentinha da minha já não falecida mulher, a Joana. As saudades perderam o sentido. Caminha a meu lado como se nunca tivesse partido. E os seus lábios rosados exibem aquele sorriso de garota que me apaixonaram há tantos anos atrás.

Deambulamos pela areia, até que ao nosso redor já não há praia nem mar. Com um brilhozinho de magia, o mundo em torno de nós dá lugar a uma fresca floresta de altas árvores que sussurram ao sabor do vento. Esquilos irrequietos fogem velozes, assustados com as nossas gargalhadas coloridas. Colho uma perfumada rosa vermelha
e estendo-a à Joana, apenas para poder deleitar-me novamente com o seu sorriso. Sentamo-nos num prado solarengo, por entre flores silvestres que o transformam numa pintura de Monet. Abraçamo-nos e ali ficamos, à espera que mais uma vez a realidade de faz de conta se metamorfoseie e nos transporte para um qualquer sonho inimaginável onde possamos reinventar a felicidade e o amor.

Encontrei o paraíso dentro de mim. Sou feliz.

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