segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Brincar aos Deuses


Campeonato Nacional de Escrita Criativa

Desafio #4


Escreva sobre um coração que era impossível fazer parar.
(máximo: 400 palavras)



O momento da verdade chegara. Exultava na divisão penumbrenta e húmida a que chamava laboratório.
Chamavam-lhe médico, alquimista, bruxo... dependia do que fizesse e dos resultados que obtivesse. Muitas vezes salvara vidas, usando os conhecimentos de medicina. Muitas vezes ceifara vidas, sem dó nem piedade, a bem daquilo a que chamava a verdade suprema. O conhecimento da vida e da morte. Encarava essas mortes com frieza. Como perdas necessárias. E por isso muitos o viam como um bruxo maléfico.
Justificava as suas acções com a grandiosidade do seu propósito: alcançar a chave da imortalidade. E essa grandiosidade rendia-lhe mais do que ódio e receio. Muitos eram os que tinham fé no seu trabalho. Muitos sonhavam poder vencer as limitações da morte. E esta fé levava-os a ajudarem-no. Forneciam-lhe cobaias humanas, vivas. Prisioneiros, condenados à morte, pobres desesperados iludidos pela promessa de dinheiro. Todos até agora com o mesmo destino. O fracasso. A morte.
Até que chegara o ponto de viragem. Finalmente segurava na sua mão um coração quente, que batia como se nada de diferente tivesse feito até aí.
O corpo da mulher que jazia debaixo das suas mãos, numa marquesa fria de metal, perecera haviam três dias. Tivera o cuidado de o ligar às máquinas que garantiam que o sangue continuava a circular, que o cérebro recebia os fluidos vitais e que todos os órgãos eram preservados. Queria testar o novo método que desenvolvera para retornar o coração humano à sua actividade. Uma combinação de drogas e electroestimulação de certas terminações nervosas, que fora já eficaz em pequenos mamíferos. Mas o verdadeiro teste tinha que ser feito com um coração humano. As particularidades da nossa fisiologia fazia com que muitas vezes o que resultava noutros animais fracassasse em homens e mulheres. Esta era a terceira tentativa. E à terceira é de vez, como diz o povo.
Injectara no corpo sem vida as drogas necessárias. Abrira o peito da mulher e colocara eléctrodos em locais precisamente definidos. Carregara nos botões da máquina de electroestimulação…
Milagre. O órgão inerte ganhou movimento. Um movimento inicialmente tímido, que foi ganhando vigor a cada batida, como se uma confiança renovada nascesse nesta sua inesperada mobilidade. As suas cores rapidamente se tornaram rubras, vivas, à medida que o sangue o banhava novamente. Agora era impossível pará-lo.
Colocou a mão sobre o órgão reanimado. Deslumbramento. Êxtase. Sentia-se Deus.
A imortalidade estava agora ao seu alcance.





3 comentários:

  1. Só tenho uma palavrinha para ti, fantástico...:) é disto que eu gosto no que tu escreves, imprevisibilidade! Tenho dito...:)

    Biju...

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  2. Mais uma surpresa, mais um chocolate tirado da caixa ;)
    Será que esse médico continuou a ter sucesso, ou singularmente o coração dessa mulher teve necessidade de voltar a sentir? De quem é o mérito? Espera, eu respondo. O mérito é sem dúvida de quem mistura as palavras dessa forma maravilhosa e deliciosamente nos amarra a elas, as palavras.

    Um beijinho Moon

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