segunda-feira, 27 de agosto de 2012

14º Campeonato de Escrita Criativa - Desafio #1


Estou a ouvir-te...




Sentada, enquanto desligava o telefone, estranhei algo sem saber materializar o quê. Levantei a cabeça e olhei em redor, por cima da divisória do meu cubículo, mas só passados instantes fui atingida pela consciência de que, numa antítese do que era usual, reinava o mais profundo dos silêncios.


Levantei-me e saí da minha jaula de paredes brancas. E o meu espanto aumentava a cada cubículo por que passava. Não havia ninguém ali…


A multidão de pessoas que ali passavam dias monocórdicos ao telefone, simplesmente desaparecera. Apesar de serem 10.30 de uma manhã de terça-feira. Apesar de três horas antes eu ter entrado no call center e lá se encontrarem já muitos dos habituais rostos pálidos, de olhos baços e apáticos.


Prossegui, apenas para confirmar o que já havia intuído: tudo deserto!


Estática, eu pairava no limbo entre o terror e a perplexidade. Aquelas pessoas todas não podiam ter-se simplesmente evaporado!


O mundo começou a andar à roda. Cambaleei até ao meu lugar e sentei-me. Tudo aquilo parecia uma história de terror contada à volta de uma fogueira num acampamento de adolescentes! Fiquei por ali, desconcertada, até que os meus olhos recaíram sobre o computador. Sobre um fundo preto, várias frases surgiram, intermitentes:



“«Quem me dera que esta gente toda desaparecesse». Foi o que disseste ontem. Estou à escuta. Desejo concedido…”

  Cada vez percebia menos! Lembrava-me de ter proferido aquelas palavras, num desabafo depois de uma discussão com vários colegas. Mas não fora um desejo! E QUEM é que estava “à escuta”? Que coisa macabra era aquela?


O pânico apoderou-se de mim. O meu coração batia descompassadamente e deixei de conseguir respirar. Desmaiei.


Fui acordada por acordes suaves, tocados por detrás de uma intensíssima luz branca, que me cegava. Ao meu ouvido, atrás de mim, uma voz sussurrava. Falava tão baixo que tive que usar toda a minha concentração para perceber o que dizia.


Modera as tuas palavras. Os teus desejos são uma ordem!”.


Tentei ver quem falava, mas não conseguia mexer-me. Repetiu aquela frase várias vezes, até que se calou e, com ela, a música e a luz desapareceram. Tudo ficou negro novamente.


Quando acordei, o ruído dos telefones e dos meus colegas regressara. Agredia-me os sentidos perturbados, mas a familiaridade daqueles sons, naquele momento, era até reconfortante. Saí para o corredor. Estavam todos de volta! Tudo regressara ao normal.

 
Mas no computador, uma frase ainda piscava:


Continuo a ouvir-te…”