Os fiapos de eternidade passam por mim como se de meros grãos de pó se tratassem. Dias e noites, sol e lua, frio e calor. Sucessão incessante. Meros instantes, quase imperceptíveis perante a imortalidade do meu não-ser.
O mundo em torno de mim transfigura-se a um ritmo lento. Plantas pingando orvalho sobre mim, à hora em que o sol é apenas uma miragem adivinhada num horizonte que não vislumbro. Chão arenoso que me cobre de pequenas partículas, fazendo crescer a inerte massa que é o meu corpo, a um ritmo tão lento que ninguém se apercebe, apenas eu. Alcatrão duro, onde carros e uma multidão de homens que entretanto ocuparam o planeta me pisam e me empurram por longas distâncias, fazendo-me percorrer o seu mundo. Ondas poderosas, que no seu vai e vem me vão dolorosamente reduzindo a partículas cada vez mais pequenas, até que a imortalidade cesse sem que nenhum rastro de mim perdure na memória de nada.
É este o destino que sabemos ser o nosso. É esta a história que silenciosamente contamos entre nós, quando fortuitamente nossos corpos se encontram num agudo entrechocar. Mas estou ainda longe da finitude. Não há mar que me desgaste nem vento ou chuva que me possa quebrar nos tempos mais próximos. O meu corpo mineral é ainda suficientemente grande para durar mais meia eternidade.
Na beira da estrada em que me encontro, volta e meia viajo pelo gesto de algum ser que por aqui passa. Um cão que me transporta nas suas mandíbulas húmidas, talvez desejando que eu fosse um osso suculento. Um grupo de rapazes que, deambulado livremente pelas ruas da cidade, se entretêm a competir entre si sobre quem, com um pontapé, me lança mais longe. Um automóvel que, pela pressão dos seus pneus, me projecta para longe, estonteantemente.
E assim vou percorrendo um mundo que sempre foi o meu, mas que não me pertence. Um mundo que mal dá pela minha presença e das outras como eu, apesar de sermos tantas e estarmos por toda a parte. Um mundo que gira eternamente, como eu, eternamente, contemplo as estrelas na infinidade do céu...
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