Há anos que oiço falar no dia de S. Nunca. “Sim, hás-de fazer X… no dia de S. Nunca à tarde”…”Quando é que Y? Dia de S. Nunca…!”.
Quando era bem pequena esta expressão assomava-me aos ouvidos nos momentos mais inusitados e, devo confessar, não sem alguma confusão no meu então fervilhante espírito de criança.
A verdade é que na Catequese, primeiro às quartas-feira à tarde e mais tarde aos Domingos, nunca tal Santo fora jamais mencionado. Mas a verdade é que, a ter existido, deveria ter sido um ser heróico com os poderes de um qualquer Super-Homem, Batman ou Iron-Man, a avaliar pelas coisas extraordinárias que diziam acontecerem no dia que lhe era dedicado.
E a minha imaginação de criança foi sendo povoada de imagens coloridas e bem movimentadas sobre este misterioso Santo, que ninguém conhece mas de que toda a gente fala.
Imaginava-o grande, musculado. A imagem perfeita de um qualquer herói de desenho animado. De um He-man, que naquela altura dominava o panorama cartoonístico. O cabelo preto, com caracóis. Um Michael Knight celeste. E, para fazer todos aqueles milagres, pelo menos uma varinha mágica teria que ter. Bem, atrevo-me, agora à luz de todos estes anos, a riscar a tão pouco máscula varinha mágica deste esboço que compus. Quem sabe um relógio, para voltar ao Knight Rider. Talvez um telefone escondido no sapato (como numa série bem mais antiga que agora não me lembro o nome). Ou uns óculos escuros que tocassem com magia aqueles que eram olhados através deles…
Quanto às vestes, bem era difícil descolar-me das sempre hiper-justas e reduzidas roupas de todos os super-heróis que assolam a televisão. Talvez em cores menos garridas. Afinal estamos a falar de um santo. A propósito, uma sotaina não era ideia desajustada,… Humm… Risco de novo o meu desenho. Que super-herói se vestiria de padre para praticar os seus actos benfazejos?... Nem pensar!!!
Meio de transporte?...O clássico cavalo branco parece-me aqui uma boa escolha. Quiçá alado, para emprestar um ar mais mitológico-barra-fantástico à nossa personagem.
Apesar de tão invocado, a verdade é que ninguém nunca me descreveu os poderes deste ser surreal. Mais um docinho para a minha imaginação sobrelotada de heróis de banda desenhada. E este nem era o maior dos desafios, já que, pelo que se ouvia por aí, este super-herói tinha o poder de realizar tudo aquilo que desafiava as nossas capacidades de meros mortais, rasando ou transpondo a fronteira da impossibilidade.
Vagueando pelo mundo, o nosso S. Nunca olhava em redor, lia as mentes de quem por ele passava, detectava os impossíveis, e lá estava ele, a torná-los realidade. Como se não passassem de acontecimentos puramente banais, os impossíveis materializavam-se em frente dos que os almejavam.
Logicamente, para um Santo de tal gabarito, a sua fama correra mundo. Em todos os continentes era conhecido. Em todos os mares era falado.
Até ao dia em que o Homem chegou à Lua. De repente, pelos seus próprios meios, o Homem alcançou o impossível, sem recorrer às benesses do nosso S. Nunca. O facto extraordinário deixou S. Nunca pensativo. Até mesmo melancólico. Receava que não ser mais necessário. E tal melancolia perseguiu-o por longos meses, durante os quais foi ainda vagueando pelo planeta, procurando impossíveis para concretizar. E fazia-o ainda com o mesmo garbo de antes. Mas perdera o encanto. Perdera o entusiasmo. Já não era o único a cometer actos fabulosos.
E foi assim que, no dia 30 de Fevereiro do ano seguinte, resolveu por a capa de lado, arrumar no baú o seu relógio-telefone-óculos-varinha, disfarçar-se de comum mortal e seguir uma vida perfeitamente normal, como se S. Nunca nunca tivesse existido. Claro que a Humanidade notou a sua ausência e chorou-a.
E, em homenagem a este Santo, retirou o dia 30 de Fevereiro do calendário e dedicou ao santo este dia, como o dia em que os impossíveis acontecem.
O Dia de São Nunca.
História escrita por mim para a Fábrica de Histórias
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