terça-feira, 4 de outubro de 2011

Lua Libertadora

Campeonato Nacional de Escrita Criativa


Desafio #10

Escreva sobre uma das mais fáceis decisões que tiveste de tomar na tua vida.
(máximo: 400 palavras)


Abro os olhos neste espaço em que os dias e as noites são apenas miragens que se confundem entre si. Os primeiros sons matutinos começam a ouvir-se. Os outros doentes que, entre gemidos e queixumes, recebem os primeiros cuidados. As auxiliares que fazem a higiene dos acamados. Enfermeiras e médicos que conversam no corredor.
O meu corpo fraqueja, mas esforço-me por me lavar sozinha. Em frente ao lavatório olho o espelho e mal reconheço o rosto enrugado e o cabelo branco que ele mostra. Até que rapidamente as minhas pernas se começam a debater com a verticalidade e me deixo tombar sobre a cadeira de rodas.
Regresso à cama. Vai começar mais um dia eterno. Mais um dia em que tento esquecer as dores que me percorrem as entranhas e me apontam a eminência do fim. Esperar pela morte é o meu entretém diário. Anseio-a mais do que a receio. Libertação…
Há, no entanto, algo que me faz suportar esta vida torturada de ser que de todos depende. A minha família. Antes de partir, quero saber que todos vão ficar bem. Aí sim posso perder a batalha e ganhar a guerra. Morrer finalmente.

***
Alterno entre o sono e a vigília neste corpo que abandonou o ritmo do sol e da lua. Novamente, o sono regressa. Chega em novelos de consolo. A turvescência dos meus olhos escurece e os meus músculos abandonam a rigidez.
***

E sou novamente uma garota livre que acorda na sua cama, rodeada pelos irmãos que dormem sossegados à sua volta. A menina que era há oitenta anos atrás.
Levanto-me ligeira e, silenciosamente, vou até à janela e abro-a. Uma aragem fria faz os meus cabelos esvoaçar. A lua olha-me e ilumina-me. Convida-me a sair. Alicia-me. “Sai para o mundo e descobre-o nas cores da noite!”
Muitas vezes me fez este apelo insensato. E eu, sensatamente, de todas as vezes recusei. Se aceder não há retorno. E a minha família? Mas estou cansada. As dores são cada vez maiores. Não cessam.
Olho novamente a lua pela janela e a dúvida desvanece-se. Hoje sou a menina de dez anos a sonhar com uma mente de noventa. Sento-me no parapeito, rodo as pernas para fora e um pequeno salto põe os meus pés em contacto com a terra áspera. Finalmente vou ver o que a noite me mostra e o sol me esconde.
Não vou mais acordar…

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