sexta-feira, 12 de março de 2010

Rua acima

Passeava pelas ruas, aproveitando o gélido sol que se atrevera a espreitar por entre as nuvens. As montras desfilavam ao seu lado e de quando em vez atraíam-lhe a atenção, levando-a a demorar-se alguns segundos a contemplar um livro, uma peça de roupa, um par de sapatos… Alguns pestanejares depois seguia caminho, rua acima.

O passo era incerto. Não caminhava com determinação. Aliás, nem tinha destino certo. Queria apenas desfrutar dos poucos momentos livres que tinha perto do mundo. Num sítio em que outrora fora alguém. Num lugar que muitas outras vezes percorrera no passo apressado de quem tem compromissos e responsabilidades. De quem tem uma vida e pessoas que dependem de si. Um passado que recordava saudosamente.

Não que pensasse que fora feliz nessa altura. Na verdade, sabia que, naqueles tempos que recordava com nostalgia, não se sentia mais feliz do que naquele momento. E naquele preciso momento não se sentia feliz.

As pessoas passavam ao seu redor, no citadino bulício de um dia de trabalho, porém para si eram meros figurantes no filme que se ia passando na sua cabeça. Um filme em que era a principal e única personagem, e a sua vida o enredo desprovido de aventuras e de acção. De interesse.

Por vezes dava por si a pensar que gostava de ser figurante também. Uma figurante desprovida de pensamento crítico. De capacidade de olhar o mundo em todos os seus tons de cinzento, sem sequer se dar ao trabalho de procurar o branco e o preto, por saber da sua inexistência.

Olhava os seus companheiros viandantes, e invejava o que imaginava neles. Invejava a sua capacidade de serem felizes com quase nada. Com um emprego de salário baixíssimo em troca de quantidades inumanas de esforço e dedicação. Com um casamento em que o amor não era mais do que a miragem de um cliché, aprendido em comédias românticas assistidas em salas de cinema meio vazias nas matinés de Domingo. Com um casalinho de filhos que, embora bem pequenos, prometiam já falhar redondamente as expectativas irrealistas dos pais. Todos eles eram felizes com as modestas conquistas alcançadas, como se vivessem alheios à sua insignificância e ao ridículo que era o facto de terem vidas iguais às de toda a gente. Invejava-os. Não pela vida que tinham, mas pela capacidade de se satisfazer com ela.

Tentara ser diferente e falhara. Sabia que a sua vida era exactamente igual à dos outros. Tentara ser excelente em algo, mas isso nunca acontecera. Procurara o amor, mas não podia encontrar algo em que não acreditava. E com isto, os dias iam passando, a vida ia-se escoando, e era cada vez menor a probabilidade de um dia encontrar um significado ou objectivo para a breve passagem pela superfície do planeta. Se tal existisse…

Passeava, meditabunda, mergulhada neste seu mundo. Distante de tudo e de todos. Indiferente aos olhos que a observavam, também eles sequiosos da felicidade que vislumbravam naquela mulher que passava.

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